A CALAGEM E A EFICIÊNCIA DOS FERTILIZANTES (1)
J.C. ALCARDE (2)
1. INTRODUÇÃO
São por demais
conhecidas as afirmações: "o Brasil é um Pais eminentemente agrícola"
e "o Brasil está predestinado a ser o celeiro do mundo", as quais já deixaram
o campo das hipóteses e se constituem hoje em teses incontestáveis. Isto porque
o Brasil possui uma área agricultável de 670 milhões de hectares, área essa
superior à utilizada no mundo com o cultivo de 5 das principais culturas
(trigo, arroz, milho, feijão e soja), e possui condições climáticas tais que
permitem o privilégio de exercer continuamente a atividade agrícola.
Contudo, é também
reconhecido que o desempenho da agricultura brasileira deixa muito a desejar,
visto que, a área cultivada é de apenas 7 a 8% da área considerada agricultável
e, principalmente, a produtividade é bastante baixa comparada com a de outros
países, conforme mostra o quadro 1.
Nunca se
preocupou tanto com a produtividade agrícola, quer no mundo e, principalmente
nó Brasil, como nos dias atuais. Dada a escassez de recursos e o alto custo dos
insumos modernos requeridos na produção agrícola, a tônica, atualmente, é a do
uso racional deles, no sentido de torná-los mais eficientes a fim de que a
produtividade seja compatível com o rendimento econômico. Segundo Schuh (1981),
"todo o aumento na produção agropecuária dos Estados Unidos, desde meados
dos anos 20, foi obtido sem nenhum aumento no estoque de recursos físicos que
se usam na agricultura; isto quer dizer que, se somarmos a terra, a
mão-de-obra, o capital e os insumos modernos, o total deles, hoje, é
aproximadamente o mesmo de há 60 anos atrás. Em outras palavras, todo o aumento
na produção obtido no período vem, essencialmente, do aumento de produtividade.
E produtividade alta quer dizer "baixo custo e preço baixo".
Quadro 1 —
Rendimento das principais culturas (kg/ha)
Cultura |
Brasil |
USA |
Outros(*) |
Trigo |
1.148 |
2.128 |
6.567 (Holanda) |
Arroz |
1.362 |
5.049(1) |
6.250(1)(Japão) |
Cevada |
1.108 |
2.604 |
4.907 (Bélgica) |
Milho |
1.836 |
6.353 |
7.742 (Nova Zelândia) |
Centeio |
900 |
1.762 |
4.638 (Suíça) |
Aveia |
1.077 |
1.788 |
4.273(Alemanha Federal) |
Sorgo |
2.314 |
3.459 |
3.140 (Argentina) |
Feijão |
541 |
1.434 |
2.308 (Rússia) |
Algodão |
1.116 |
1.231 |
2.851 (Austrália) |
Soja |
1.765 |
1.967 |
3.556 (Itália) |
Cana |
54.886 |
80.510(1) |
155.556(1) (Peru) |
Café |
536 |
840 |
1.119 (2) (Costa Rica) |
Cacau |
608 |
|
1.952 (Congo) |
Juta |
1.075 |
|
3.039 (China) |
Sisal |
780 |
|
1.346 (Indonésia) |
(*) FAO, 1979.
Coleção de Estatística. (1) Cultura irrigada (2) Café beneficiado. Fonte: ANDA, 1982. Produção Agrícola Brasileira - Estatística, 1981. |
A produtividade agrícola
depende de uma série de fatores limitantes, onde o mau desempenho de um
compromete todos os demais. Dentre eles, o primeiro que tem de ser considerado
é o solo, ou mais propriamente a sua fertilidade.
Pode-se afirmar
com segurança que a baixa produtividade agrícola brasileira tem como causa
principal a baixa fertilidade dos seus solos. Por outro lado, dentre as
características dos solos que são responsáveis pela fertilidade, as que
prejudicam os solos do Brasil são fundamentalmente a acidez elevada e a pobreza
de nutrientes. E essas duas deficiências são facilmente contornáveis, pelo
menos tecnicamente, através da calagem e da adubação.
É por isso que o
Brasil é visto como um País eminentemente agrícola, predestinado a ser o
celeiro do mundo.
2. EVOLUÇÃO NO
CONSUMO DE FERTILIZANTES E DE CALCÁRIO
Tomando como
referência o ano de 1980, quando o Brasil ainda não apresentava a crise
econômica em que hoje se acha mergulhado, o quadro 2 mostra que nesse ano o
consumo de fertilizantes foi 105,6% superior ao de 1975; tendo sido de 46,7
milhões de hectares a área plantada, a aplicação de fertilizantes correspondeu
a média de 87 kg/ha em termos de nutrientes ou 220 kg/ha em termos de produto.
De outra parte, o consumo de calcário em 1980 foi 8,2% inferior ao de 1975,
correspondendo a uma aplicação média de 149 kg/ha. Diante da alta necessidade
de calcário nos solos brasileiros, à qual tem-se atribuída uma média de 1500 a
2000 kg/ha, fica bem evidente a baixa utilização desse insumo.
Quadro 2 -
Estimativa da evolução do consumo de fertilizantes e de calcário no Brasil, nos
últimos anos ( em toneladas)
ANO |
FERTILIZANTES |
CALCÁRIO |
|
Em Nutrientes |
Em Produto |
Em Produto |
|
1975 |
1.977.691 |
4.944.228 |
7.084.000 |
1976 |
2.528.141 |
6.320.352 |
6.304.000 |
1977 |
3.208.896 |
7.769.724 |
5.490.000 |
1978 |
3.221 .588 |
7.800.704 |
5.504.000 |
1979 |
3.463.500 |
8.707.574 |
6.469.000 |
1980 |
4.066.100 |
10.272.127 |
6.504.000 |
1981 |
2.653.300 |
7.197.202 |
5.254.000 |
1982 |
2.729.977 |
7.023.235 |
4.073. 378 |
1983 |
2.218.500 |
5.732.558 |
5.330.964 |
Fonte: Sindicato da Indústria de Adubos e Corretivos Agrícolas do Estado de São Paulo e ASSOCIAÇÕES de Produtores de Calcários. |
3. INEFICIÊNCIA DOS FERTILIZANTES
Sabe-se que a
maior parte das terras agricultáveis brasileiras apresentam valores de pH na
faixa de 4,5-5,5, isto é, com acidez elevada (PNFCA. 1974; EMBRAPA, 1980).
Sabe-se também que a disponibilidade e a utilização dos nutrientes vegetais no
solo são profundamente afetadas pelo acidez, conforme mostram a figura 1 e o
quadro 3.
Figura 1 — Efeito do pH na disponibilidade dos
nutrientes e na solubilklade do alumínio no solo (MALAVOLTA, 1979)
Quadro
3-Estimativa da variação percentual na assimilação dos principais nutrientes
pelas plantas em função do pH do solo (PNFCA, 1974; EMBRAPA, 1980)
Elementos |
pH |
|||||
4,5 |
5,0 |
5,5 |
6,0 |
6,5 |
7,0 |
|
Nitrogênio |
20 |
50 |
75 |
100 |
100 |
100 |
Fósforo |
30 |
32 |
40 |
50 |
100 |
100 |
Potássio |
30 |
35 |
70 |
90 |
100 |
100 |
Enxofre |
40 |
80 |
100 |
100 |
100 |
100 |
Cálcio |
20 |
40 |
50 |
67 |
83 |
100 |
Magnésio |
20 |
40 |
50 |
70 |
80 |
100 |
Assim,
justifica-se o antigo e ultrapassado adágio popular de que "a calagem
enriquece o pai e empobrece o filho", visto que a calagem condicionando o
sola à liberar melhor os nutrientes e as plantas à assimilá-los mais,
proporcionava maior produtividade; e como a prática da adubação era
insignificante, coma resultado tinha-se o empobrecimento do solo e até a exaustão
das suas reservas naturais de nutrientes. Justifica também o conceito de que a
calagem é a prática potenciadora da eficiência das adubações, deixando patente
que a calagem deve ser mera primeira preocupação, e providência, na atividade
agrícola brasileira.
Portanto é
injustificável as diminutas quantidades de calcário que estão sendo utilizadas
no Brasil, desproporcionais às quantidades de adubo, uma vez que o País dispõe
de abundantes reservas calcárias exploráveis, bem distribuídas e de boa
qualidade e de um parque industrial que, concentrado nas principais regiões
consumidoras, está operando bem abaixo de sua capacidade de produção (CONCRED,
1976).
O baixo consumo
de calcário em relação à necessidade e principalmente ao consumo de
fertilizantes, permite inferir que não se está aproveitando todo o potencial
possível dos fertilizantes utilizados; em outras palavras, o insuficiente
consumo de calcário certamente está induzindo a uma queda na eficiência dos
fertilizantes. Com base nos dados do quadro 3 tentou-se estimar o valor dessa
ineficiência, que está apresentada no quadro 4, considerando os consumos de
fertilizantes dos anos de 1979, 1980 e 1981 e levando em conta:
(1). a
ineficiência normal conhecida, conseqüência de perdas por percolação,
insolubilização, arrastamento superficial, etc. Essa ineficiência no mínimo,
está estimada em 20% para o nitrogênio, 80% para o fósforo e 40% para o
potássio (Larsen, 1967). Assim, das quantidades utilizadas de cada nutriente,
pode-se estimar as quantidades que, em condições ideais, estariam disponíveis.
(2). a acidez dos
solos brasileiros: adotando pH 5,0 como valor médio, de acordo com os dados do
quadro 3 não seriam assimilados 50% do nitrogênio, 68% do fósforo e 65% do
potássio, disponíveis.
(3). que 25% dos
fertilizantes tenham sido empregados em solos com pH adequado ou corrigido pela
calagem, a ineficiência seria 75% do total calculado.
Quadro 4-
Estimativa da quantidade de nutrientes que devem ter sido ineficientes no
Brasil, nos últimos anos, em função das acidez dos solos. ( em 1.000 toneladas)
Ano |
Nutriente |
Ineficiência |
Inef. por não assimilação em pH igual a 5,0 |
|||
Consumo |
Normal |
Disponível |
Total Calculado |
75% do total calculado |
||
1979 |
N |
778,6 |
155,7 |
622,9 |
311,5 |
233,6 |
|
P2O5 |
1.581,5 |
1.265,2 |
316,3 |
215,1 |
161,3 |
|
K2O |
1.103,4 |
441,4 |
662,0 |
430,3 |
322,7 |
|
Totais |
3.463,5 |
1.862,3 |
1.601,2 |
956,9 |
717,6 |
1980 |
N |
905,6 |
181,1 |
724,5 |
362,3 |
271,7 |
|
P2O5 |
1.853,9 |
1.483,1 |
370,8 |
252,1 |
189,1 |
|
K2O |
1.306,6 |
522,6 |
784,0 |
509,6 |
382,2 |
|
Totais |
4.066,1 |
2.186,8 |
1.879.3 |
1.124,0 |
843,0 |
1981 |
N |
668,5 |
133,7 |
534,8 |
267,4 |
200,6 |
|
P2O5 |
1.218,2 |
974,6 |
243,6 |
165,6 |
124,2 |
|
K2O |
766,6 |
306,6 |
460,0 |
299,0 |
224,3 |
|
Totais |
2.653,3 |
1.414,9 |
1,238,4 |
732,0 |
549,1 |
Os resultados
obtidos, correspondem a 20,72%, 20,73% e 20,69% do total de nutrientes consumidos
nos respectivos anos. Portanto, estima-se que 20% dos nutrientes consumidos
como fertilizantes devem ser ineficientes ou desaproveitados pelas culturas em
que foram aplicados, devido à acidez do solo. Aos preços daqueles anos, esses
20% corresponderam a 18% do capital investido nesse insumo; o investimento em
calcário correspondeu a menos de 20% do valor gasto em fertilizantes
desaproveitados; o atendimento à demanda não custaria mais de 60% desse valor.
Atualmente a situação é semelhante, uma vez que os aumentos nos preços do
calcário e do fertilizante tem sido aproximadamente proporcionais e os consumos
não se alteraram significativamente.
Assim, como as
atuais quantidades de calcário consumidas no Brasil deve-se estar desperdiçando
fertilizante ou produtividade agrícola.
4. RECONHECIMENTO
DO PROBLEMA DA CALAGEM
Esse panorama
paradoxal tem sido objeto de muitas manifestações, tanto no aspecto técnico
como econômico. A mais completa, objetiva e clara delas foi emitida pelo
Conselho de Desenvolvimento Econômico, no Programa Nacional de Fertilizantes e
Calcário Agrícola (PNFCA, 1974), cujos principais enfoques foram:
(1) Na acidez do
solo, revelado por baixos índices de pH, encontra-se o fator responsável pela
escassa assimilação dos elementos nutrientes da terra pela planta, bem como
pelo estabelecimento de condições inadequadas ao desenvolvimento dos vegetais.
(2) A calagem, ou
seja, a aplicação de calcário moído, é uma das práticas para a correção da
acidez dos solos; essa correção determina um conjunto de efeitos benéficos
através do:
— poder
competitivo das culturas em relação às ervas daninhas, essas em sua maioria,
acidófilas;
— aumento da
assimilação dos elementos nutrientes;
— aumento dos
níveis de fosfatos disponíveis, por evitar a precipitação do fósforo sob a
forma de sais insolúveis;
— bloqueio da
ação tóxica do excesso de certos nutrientes tais como alumínio, ferro e
manganês, que permanecem livres em meio ácido;
— estímulo às
atividades dos microrganismos responsáveis pela nitrificação dos sais de amônio
e pela fixação do nitrogênio atmosférico;
— desenvolvimento
de microrganismos responsáveis pela decomposição da matéria orgânica, formadora
do humus;
(3) Experiências demonstram
que o calcário atua, de maneira significativa, como potenciador da ação dos
fertilizantes. No caso brasileiro, tem-se que a utilização de calcário,
atualmente (1974), é cerca de 4 milhões de toneladas. Dado que o consumo de
fertilizantes químicos no País atinge cifras próximas de 1,7 milhões de
toneladas de nutrientes, tudo sugere uma situação em que fertilizantes químicos
tem sido utilizados sem prévia correção da acidez do solo e, portanto, com
resultados inferiores aos desejados.
(4) Os objetivos
do Programa Nacional de Calcário Agrícola (PROCAL) foram:
— defesa do
patrimônio nacional, a terra.
— aumento da
produtividade do solo via correção da acidez, com o decorrente incremento na
renda do produtor agrícola e nos volumes produzidos.
— criação das
bases necessárias à implantação mais eficaz do Programa Nacional de
Fertilizantes.
É digno de
elogios a exatidão com que o problema da calagem foi colocado no Programa
Nacional de Calcário. A meta desse Programa era a de uma elevação progressiva
na utilização de calcário até atingir 15,3 milhões de toneladas em 1979, isto
é, um aumento em torno de 380% no consumo. E o que se teve em 1980, conforme já
referido, foi um decréscimo no consumo de 8,2% em relação a 1975, ao lado de um
aumento de 105,6% no consumo de fertilizantes nesse mesmo período.
A Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 1980) elaborou o projeto
"Racionalização do uso de insumos" , no qual um dos sub-projetos era
"Pesquisa em racionalização no uso de fertilizantes e calcário na
agricultura". Além de enfocar a necessidade e a importância dos calcários,
face à acentuada acidez da maioria dos solos agricultáveis do Brasil, com pH
variando de 4,5 a 5,5, e à carência dos nutrientes cálcio e magnésio
contidos nos mesmos solos, refere-se também a uma estimativa da Secretaria
Nacional de Planejamento Agrícola, segundo a qual, em 1978, o prejuízo dos
agricultores brasileiros, devido a não assimilação dos nutrientes pelas
plantas, foi da ordem de 1 bilhão de dólares.
Raij (1960)
aponta a acidez como um dos problemas mais sérios a limitar a produtividade dos
solos brasileiros. Considera a calagem um ótimo investimento e, utilizando um
exemplo típico de solo muito ácido, demonstra que o retomo econômico pode
ocorrer já no primeiro ano, conforme se observa no quadro 5. Considera ainda
que, do ponto de vista de política de produção, a calagem deveria receber
melhor atenção: o calcário é matéria-prima existente em abundância e, no
entanto, seu consumo é bastante baixo se comparado com o consumo de
fertilizantes e considerando-se a necessidade de correção dos solos
brasileiros.
Quadro 5- Exemplo
de aumento de produção de soja proporcionando pela aplicação de 3 ton./ha de
calcário antes do primeiro plantio, em de São Simão, SP. A cultura foi adubada
anualmente com fósforo (van Raij, 1980).
Ano de Cultivo |
Aumento da produção devido à calagem (kg/ha) |
Retorno por cruzeiro investido em calcário |
1973/1974 |
513 |
2,9 |
1974/1975 |
834 |
4,6 |
1976/1977 |
1.013 |
5,6 |
Valores acumulados nos 4 anos |
2.357 |
13,1 |
Fonte: Revista Brasileira de Ciência do Solo, 1: 28-38. 8977 |
Souza (1901),
Secretário Nacional da Produção Agropecuária, considerou que "a pesquisa econômica
não tem sido convincente ao mostrar o verdadeiro potencial do emprego de
fertilizantes em termos de seu impacto no aumento da produção. O consumo de
fertilizantes no Brasil registrou aumentos que colocou os padrões brasileiros
comparáveis aos países de agricultura avançada, entretanto os acréscimos de
produção ou de produtividade observados não satisfazem comparativamente aos
aumentos do uso de fertilizantes". E prossegue: "Soja, cana, café,
arroz, trigo e milho, nesta ordem, tem sido responsáveis por cerca de 75% dos
fertilizantes usados na agricultura brasileira, e durante a década de
1970/1980, a taxa de crescimento anual dos rendimentos dessas culturas foi
respectivamente de: 4,20; 1,95; 3,50; 0,34; -1,31 e 2,13%. Segundo dados do
Sindicato de Adubos e Corretivos do Estado de São Paulo, relativos a década de
1970/1980, o comportamento da produção das seis principais culturas que usam
fertilizantes no Brasil, nos mostra a redução da sensibilidade da produção
agrícola à aplicação de fertilizantes. Na medida em que se espera que o aumento
do consumo de fertilizantes provoque acréscimos na produtividade, observa-se
que acréscimos de 300% no uso de nutrientes produziram apenas aumento de 19%
nos rendimentos da soja, cana, café, trigo, arroz e milho. O fato é que, o uso
de fertilizantes na agricultura brasileira quadruplicou no período de uma
década, e, neste período, a produção das principais culturas usuárias desse
insumo, não conseguiram dobrar sequer".
Raij (1981)
considera " a reação do solo como o primeiro fator que precisa ser
conhecido em uma gleba a cultivar. Isto porque, caso ela não seja favorável,
medidas conetivas devem ser tomadas com antecedência aos cultivos. Existem hoje
técnicas seguras para caracterizar a reação do solo e para determinar medidas
corretivas. A condição desfavorável da reação do solo mais comum no Brasil é a
acidez excessiva". E esclarece: "os resultados obtidos em
experimentos no Instituto Agronômico no Estado de São Paulo indicam claramente
que a utilização de calagens mais elevadas do que as hoje praticadas na maior
parte do Pais, poderia contribuir consideravelmente para a elevação da
produtividade de diversas culturas". Fundado nessas considerações, e na
observação de um crescente aumento na acidez dos solos do Estado de São Paulo,
o Instituto Agronômico desse Estado, que é sediado em Campinas, a partir de
1983 passou a adotar outro critério de recomendação de calagem, o qual indica
uma necessidade de calcário maior em relação a que vinha sendo recomendada.
Malavolta(l981),
analisando a situação da calagem e da produtividade agrícola no Brasil,
apresenta as seguintes conclusões e recomendações:
(1) Existe uma
necessidade generalizada da calagem nos solos brasileiros, necessidade que não
vem sendo satisfeita dado os baixos níveis de utilização do calcário, o que
causa: baixas produções por unidade de área e ociosidade na indústria ligada ao
calcário.
(2) A falta da
correção da acidez do solo impede ou diminui a eficiência do adubo mineral, o
que acarreta, além de menores colheitas, maiores custos de produção.
(3) Os incentivos
de diferentes naturezas, aplicados no setor agrícola a partir de 1964,
permitiram crescimento espetaculoso no consumo de adubos no País o que,
entretanto, ainda não aconteceu com o calcário: a desativação do Procal impediu
que as metas fixadas para o consumo de conetivos fossem atingidas, prejudicando
em parte o esforço desenvolvido para aumentar o consumo de fertilizantes, cujo
pleno potencial para aumentar a produtividade agrícola não pôde ser realizado
nos solos comumente ácidos do Pais.
(4) As três
grandes metas do atual governo: programa da "panela cheia", obtenção
de quantidades crescentes de excedentes exportáveis e Pró-álcool, não serão atingidas,
dentro ou fora dos cronogramas estabelecidos, se, além de outras medidas,
algumas já em implantação, não forem criados incentivos que permitam a
utilização maior do calcário, tanto nas áreas já cultivadas como nas novas.
Finalmente, em
1982, a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), sentindo que o setor
de fertilizantes vem sendo prejudicado pelo baixo consumo de calcário, fez uma
representação a diversos órgãos federais apontando que é imperiosa a adoção de
medidas governamentais de caráter urgente, visando estimular o consumo de
calcário agrícola pelos agricultores, como fator de aumento de produtividade.
5. CAUSAS E
SUGESTÕES
As causas dessa
incompreensível situação em que está a prática da calagem no Brasil, podem ser
atribuídas, dentre outras:
(1) à ausência de
um adequado posicionamento técnico e econômico do setor agrícola em relação à
necessidade e a importância da calagem, uma vez que argumentos não faltam;
(2) à deficiente
ou imprecisa divulgação dos benefícios da calagem junto aos produtores
agrícolas, principalmente pelos órgãos e serviços de assistência técnica e
extensão rural;
(3) à passividade
do setor industrial, conseqüência da desagregação ainda existente entre os
produtores de calcário.
Quanto às
sugestões:
(1) às indústrias
de fertilizante e de calcário: a indústria de fertilizante adotou a lógica
estratégia do uso racional desse insumo. Considerando que a utilização de
corretivo constitui um dos requisitos fundamentais na viabilização desse
propósito, as indústrias de corretivo poderiam recorrer às de fertilizante no
sentido de irmanarem-se nos serviços de extensão, assistência técnica e
comercialização, serviços esses já solidamente estruturados nas indústrias de
fertilizante.
(2) aos órgãos e
entidades públicas: sensibilizarem-se quanto ao desperdício de produtividade
que deve estar existindo na agricultura brasileira devido a insuficiência da
calagem; mobilizar, em conjunto, as áreas técnica, econômica, política e de
extensão, como objetivo de divulgar, orientar, promover e facilitar o uso de
corretivos.
(3) à todos os
que militam e respondem pela produção agrícola brasileira: assumir em
definitivo, embora tardiamente, que nas condições do Brasil a calagem e a
adubação são práticas vinculadas: isolá-las constitui erro elementar.
6. CONCLUSÕES
(1.) A quantidade
de calcário que vem sendo consumida no Brasil, há anos, é bastante insuficiente
face a demanda e principalmente à necessidade desse insumo. Tudo indica que as
adubações são praticadas sem a adequada correção prévia da acidez do solo, o
que é injustificável.
(2.) A ausência
ou insuficiência da calagem é um dos principais fatores, senão o primeiro, a
limitar a produtividade agrícola brasileira.
(3.) Seguramente
vem ocorrendo no Brasil, há anos, um ponderável desaproveitamento ou
desperdício de produtividade e de fertilizantes.
(4.) A devida
importância que a prática da calagem vem deixando de receber é oriunda de um
inadequado posicionamento técnico do setor agronômico, à passividade do setor
industrial e ao quase desprezo do setor político. É imperioso e urgente um
esforço conjunto desses diferentes setores no sentido de equacionar devidamente
o problema da calagem.
(5.) Necessário
se faz assumir o reconhecido dito popular: "o calcário é o irmão mais
velho do adubo".
1) Artigo
originalmente publicado em INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS N.0 26,
Piracicaba, pg. 3-6, 1984.
2) Professor
Assistente, Doutor. Escola Superior de Agricultura "Luiz do Queiroz",
USP, Departamento de Química. (13.400). Piracicaba (SP).
7. LITERATURA CITADA
CONCRED -
Aspectos analíticos do calcário agrícola no Brasil. Vol. XIII, 1.976, 32 p.
Comissão Coordenadora da Política Nacional de Crédito Rural, Ministério da
Agricultura, Brasília (DF).
EMBRAPA -Projeto:
Racionalização do uso de insumos. Sub-Projeto: Pesquisa em racionalização do
uso de fertilizantes e calcário na agricultura. Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária, 1.980, Brasília (DF), 78p.
LARSEN, S. - Soil
Phosphorus. Advances in Agronomy, Vol. XIX, p. 151-211, 1.967.
MALAVOLTA, E. - ABC
da Adubação. Editora Agronômica CERES Ltda. São Paulo (SP), 1.979. 256 p.
MALAVOLTA, E. -
Calagem e produtividade agrícola, 1.981,19 p. datilografado.
PNFCA - Programa
Nacional de Fertilizantes e Calcário Agrícola - Diário Oficial da União de
11-11-1.974, pg. 12. 857-73.
RAIJ, B. VAN - A
calagem é ótimo investimento. Suplemento Agrícola de "O Estado de São
Paulo" de 05-03-1.980.
RAIJ, B. VAN -
Avaliação da Fertilidade do Solo, 1.981, 142 p. Instituto da Potassa &
Fosfato (EUA) e Instituto Internacional da Potassa (Suíça).
SCHUH, G.E. - Uma
estratégia para a exportação de alimentos. AGRICULTURA, (1), N0 2,
1.981. Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz, Piracicaba, (SP).
SOUZA, P. —
Prefácio do trabalho "Situação dos Fertilizantes no Brasil", de
Geraldo Pereira, 1.981, 38p. Ministério da Agricultura, Brasília (DF).