Relação produtor / consumidor: da credibili- dade ao sucesso

 Revisão de agosto  de 2002.

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Luiz Carlos Miller *

Os times de Fórmula 1(um) se organizam individualmente para serem competitivos e vencerem competições, porém quando precisam negociar o produto dessas competições (os grandes prêmios) se estruturam monoliticamente em um só grupo, eliminando intermediários, para negociarem diretamente com os consumidores potenciais de seus produtos.

A falta de um enfoque similar ao descrito nesse primeiro parágrafo é o dilema posto para um setor que tem tudo para ser uma bandeira nacional e um orgulho para a criatividade e talento de profissionais e empresários brasileiros, que juntos desenvolveram uma tecnologia autóctone, com todas as características necessárias para preservar o meio ambiente e gerar riquezas. Foi e continua sendo um dos setores da economia com maior capacidade para oferecer empregos para uma população com pouca ou nenhuma formação profissional.

Os aspectos ecológicos, sociais e econômicos, tão positivos do álcool, são de profundo conhecimento de uma parte significativa da sociedade, mas parece que não atingem aqueles que efetivamente fazem acontecer para qualquer produto disponibilizado ao mercado: os consumidores.

As associações de empresas de marketing têm veiculado, através dos meios de comunicação, especialmente na televisão, algumas peças interessantes a esse respeito. O objetivo é mostrar aos empresários a importância da relação entre o consumidor e o produtor, tendo o produto como instrumento de ligação entre eles. Elas tentam mostrar que um produto pode superar crises, pode sofrer com a concorrência, mas poderá não ter uma vida muito longa se não conseguir estabelecer uma relação forte de credibilidade com o consumidor.

O mercado para o álcool foi criado por decreto e com pesados incentivos do governo para o impulso inicial do programa. Na ocasião, o regime era de exceção e muito preocupado com a doutrina de segurança nacional. Esse fato levou os estrategistas de plantão a formularem uma política que concentrava a produção de álcool nas grandes unidades produtoras já instaladas e propiciava condições financeiras para a construção de novas unidades autônomas. Para garantir o controle sobre o fornecimento e o consumo, centralizava a distribuição em poucos pólos e definia as distribuidoras de combustíveis derivados de petróleo como as intermediárias entre o produtor e o consumidor.

Na sua origem, o Proálcool deveria ser pulverizado em pequenas destilarias com a finalidade de movimentar frotas de pequenos tratores (máquinas com potência até 90 hp) para a produção de alimentos no campo e movimentar uma parte da frota de veículos de passeio, utilitários para cargas de pequena tonelagem e outros veículos de pequeno porte. O objetivo era uma independência parcial da energia fornecida pelo petróleo, com a virtude de ser renovável. Porém a preocupação com a independência energética das regiões fez com que o governo fosse sensibilizado por algum desses estrategistas e mudasse a essência do programa.

Com isso, o consumidor ficou longe do produtor e, em nenhum momento, os empresários se esforçaram para romper essa cadeia e assumir responsabilidades junto aos seus efetivos clientes. Sem esse comprometimento, a cadeia tornou-se vulnerável, ficando toda a responsabilidade e a pecha de aproveitador para o empresário e toda a lucratividade para as distribuidoras tradicionais de combustíveis.

A única forma provável de restabelecer a credibilidade do álcool como combustível passa por uma reorganização desse programa, minimizando a participação do governo e envolvendo representantes dos produtores de veículos, dos consumidores, das distribuidoras e dos produtores de álcool. O governo deve participar para dar suporte e credibilidade à negociação entre as partes interessadas. É bom lembrar, entretanto, que um compromisso como esse deve incluir responsabilidades com cláusulas punitivas, quando não forem cumpridos os pontos acertados entre as partes envolvidas. Uma postura dessa ordem dará maior credibilidade à proposta junto à sociedade civil, especialmente para aqueles que estarão investindo o seu dinheiro na aquisição de um carro, um bem relativamente dispendioso para qualquer que seja o investidor.

Essas ações precisam ser tomadas com muita urgência. A premissa de que a saída de um determinado número de unidades do programa poderá melhorar as condições de comercialização é falsa. Pelo contrário. Um compromisso que promova o aumento do consumo de álcool desviará uma grande quantidade de cana para a sua produção e como conseqüência permitirá equilibrar a produção de açúcar com as necessidades de consumo interno e externo, proporcionando melhoria nos preços desses dois principais produtos da cana-de-açúcar.

O comportamento dos empresários envolvidos com a Fórmula 1 apresenta uma das formas de organização que possibilitam a competição entre empresas do mesmo gênero, mas que não as impedem de tratar a sua produção de forma criteriosa e favorável, quando negociam a comercialização desse produto final (as corridas) com os seus clientes potenciais.

A citação do exemplo da organização da Fórmula 1 busca ilustrar a necessidade de maleabilidade, agilidade e adaptação dos empresários para estar em constante sintonia com as mudanças que estão ocorrendo nas relações dentro do segmento de seu negócio e com as exigências das pessoas, enquanto consumidores. Ser ágil e se amoldar às situações que se apresentam permitirá ao setor uma saída, que além de possibilitar a perpetuação dos investimentos que lhe foram dedicados, tornará possível efetivar um programa energético de grande importância para o país, tanto no campo estratégico, como no campo econômico.

Publicado no JornalCana , edição de agosto de 1999.