Gestão por
Processos na Agroindústria Canavieira
Revisão de agosto de 2002. |
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Luiz Carlos Miller*
A procura de modelos ideais para a gestão administrativa da produção tem feito surgir muitas e variadas alternativas para ajustar e tornar satisfatórias as relações do homem com boa parte de sua rotina diária, representada pelo trabalho.
Nos primórdios da organização da produção, o homem realizava tarefas específicas e se dava pouca importância para a compreensão que o trabalhador pudesse ter de todo o universo que estava a sua volta. Nesses modelos tradicionais foram criados sistemas de produção, conduzidos de forma individual, focados apenas na relação do empregado com a tarefa de sua responsabilidade. O trabalhador não conhecia a repercussão de seu trabalho no processo produtivo e nem o reflexo de sua ação no produto final. A cada um era designada apenas uma tarefa especializada, desenvolvida de modo repetitivo. Esse procedimento permitia ao trabalhador apenas uma visão parcial do processo global de produção.
Ao longo do tempo, as estruturas formais das empresas foram se cristalizando e se encarregaram de tornar muito arraigada a autoridade pessoal das chefias, estas sim com maior domínio e compreensão da organização da produção. Assim, a posição na estrutura formal da administração passou a significar poder. E esse poder passou a reger as relações no processo produtivo, tornando cada vez mais rígidas as relações entre as pessoas e mais impositivas as formas de trabalhar.
As organizações encontraram nas estruturas formais o modelo mais ajustado para lidar com a amplidão e complexidade de sua atuação. Dessa forma, promoveram a instituição de hierarquias funcionais que as tornaram mais fáceis de controlar. Entretanto, o que parecia uma forma conveniente de divisão do trabalho, tendo como finalidade facilitar o funcionamento da organização, tornou-se um mecanismo gerador de feudos. Decisões importantes para a empresa ou análises mais complexas que implicassem em cruzar linhas funcionais passaram a ser um exercício muito arriscado e freqüentemente evitado.
Os procedimentos administrativos da agroindústria canavieira foram estruturados segundo esse modelo tradicional de gestão, fato que a tornou um segmento da economia permeado por profundas contradições. O parque industrial tem se modernizado com a incorporação de novas tecnologias possibilitando elevado nível de automação nos equipamentos, e a grande maioria dos controles operacionais e administrativos são realizados por meios informatizados. Porém a gestão, salvo raras exceções, não experimentou uma modernização que transformasse toda essa carga de informação em instrumento para a otimização dos recursos humanos e materiais envolvidos no processo produtivo. Com uma estrutura conservadora de administração, a informação permaneceu concentrada em poucas pessoas e muitas vezes passou a ser utilizada como instrumento de poder.
Ao ficar confinada, a informação deixa de produzir os efeitos positivos esperados. Por outro lado, a disputa pelo poder, reforçada pela detenção da informação, favorece o aparecimento de constantes atritos entre os diferentes níveis administrativos. Isso gera desencontros na condução dos procedimentos operacionais. Nas tomadas de decisão, a maior fatia dos prejuízos fica com o empreendimento.
A solução para esses conflitos pode ser encontrada com a aplicação de modelos mais articulados de gestão, que possibilitem uma intensa participação dos funcionários com ações e idéias no desenvolvimento do trabalho. Ao envolver-se diretamente nas ações, o trabalhador assume um maior comprometimento com a empresa. Atuando com ampla participação no gerenciamento do processo produtivo, com o qual se sente envolvido, ele experimenta maior motivação, uma vez que encontra liberdade e oportunidade para dar a sua contribuição. Deve ser lembrado que o pessoal da produção convive com a ação durante todo o tempo e, portanto, tem pleno conhecimento dos problemas que possam interferir no processo produtivo.
Estudo citado por Whiteley (3) mostra que os empregados mais próximos da ação têm maior domínio sobre os problemas da produção do que os especialistas voltados para os detalhes técnicos do negócio. Nesse estudo ficou evidenciado que não mais de 10% dos problemas enfrentados pela produção eram de domínio efetivo das gerências. A existência de uma distância dessa proporção entre os níveis funcionais faz com que problemas não conhecidos pelas gerências ou sejam solucionados espontaneamente ou se transformem em perdas nas rotinas do processos produtivos.
A crescente importância do papel que o ser humano desempenha na condução das rotinas de produção tem conduzido os observadores mais atentos a experimentarem modelos de gestão com maior intensidade de participação dos trabalhadores. Em tais modelos os indivíduos podem adquirir, continuada e cumulativamente, condições de se realizarem em seus trabalhos. Com o estabelecimento de propostas concretas e legítimas, as pessoas se dedicam com maior intensidade e aprendem, não por obrigação, mas por enxergar nessa oportunidade uma forma de ampliar seus conhecimentos . O engajamento verdadeiro do indivíduo se dá pelo estabelecimento de objetivos, valores e compromissos que possam ser compartilhados em conjunto por todos os membros da organização.
A implantação de um projeto, cujo enfoque seja o da gestão participativa, pressupõe que toda a estrutura funcional esteja estimulada a experimentar um novo modelo de relacionamento no trabalho. Para tanto, antes de iniciar uma empreitada com tal característica, é importante que, primeiramente, todo o pessoal com cargo de responsabilidade na organização esteja consciente dessa nova proposta de trabalho, para que a mesma se torne assimilável. Ela irá mexer, entre outras coisas, a com a relação entre as pessoas e com os conceitos de hierarquia e subordinação e com o sistema de poder. Portanto, faz-se necessário que todos estejam convictos das necessidades dessas mudanças e se sintam seguros dos benefícios que possam ser obtidos com uma participação ampla e intensa de um maior número de pessoas nos processos decisórios.
Estruturas de Processos
Um modelo de gestão que pode servir de contraponto para uma estrutura convencional de administração é a engenharia de processos, revisada e redirecionada para a ação participativa , com um enfoque diferenciado na condução dos procedimentos decisórios na administração da produção. Enquanto a estrutura funcional tradicional apresenta uma visão fragmentária e estanque das responsabilidades e das subordinações, a estrutura de processos se constitui em uma visão dinâmica da forma pela qual a organização produz valor. Na essência, a estrutura formal organiza as pessoas e atribui tarefas, ao passo que a gestão por processos organiza o trabalho e busca a excelência operacional.
Olhando por esse ângulo, o processo pode ser caracterizado como uma ordenação racional de atividades produtivas no tempo e no espaço, com um começo e um final de fácil identificação. Ele deve estar orientado para a ação. Os objetivos devem ser bem definidos e cada processo estabelece metas, prazos, quantidades, cronogramas, produtividade e padrões de qualidade que estejam em "conformidade" com os padrões definidos pelos seus "clientes". De acordo com essas necessidades previamente estabelecidas, os procedimentos para a produção do bem ou serviço poderão ser definidos dentro da própria equipe de processo, juntamente com o respectivo coordenador. Assim, conhecendo o processo por inteiro, os responsáveis pela realização de suas atribuições não precisarão aguardar orientação para dar encaminhamento aos trabalhos sob suas responsabilidades.
Figura 1 : Fluxograma de um processo da cadeia produtiva da cana-de-açúcar. (1998)
Fonte: Giasa ( com modificações)
Quando estão atuando em equipes de processo, os trabalhadores são coletivamente responsáveis pelos resultados das ações e não individualmente responsáveis por tarefas. Eles compartilham com os colegas de suas equipes a responsabilidade pela realização do processo por inteiro. Esse comportamento permite que os trabalhadores gastem mais tempo em atividades adicionadoras, fazendo com que as suas contribuições para a empresa aumentem. Nesse ambiente, o desenvolvimento pessoal é caracterizado por uma expansão lateral. Aprendendo mais o trabalhador poderá abranger maior responsabilidade dentro do processo. Consequentemente, o enfoque para treinamento precisa ser redirecionado para a educação e a habilitação, com o objetivo de reforçar a compreensão dessa nova sistemática de relacionamento e para ampliar as habilidades técnicas e a competência visando tornar cada vez mais produtiva a atuação do funcionário.
Esse modelo de gestão reduz drasticamente os níveis hierárquicos na organização, uma vez que o coordenador de um processo pode estar em contato direto com os responsáveis pelas atividades nele desenvolvidas. Um coordenador de processos atua com uma equipe multidepartamental e tem a missão de forjar a integração dos responsáveis por atividades ou tarefas isoladas, necessárias para a produção de um bem ou serviço. Um processo estruturado, incorporando diversas áreas de responsabilidade, atravessa fronteiras de diversos departamentos, agregando operações e serviços de cada um deles para a concretização de suas metas. Essa organização para o trabalho permite a eliminação do tempo de espera das decisões transferidas de um departamento para outro. Por outro lado, implantação de uma gestão por processos não implica a eliminação da estrutura formal (departamental) que pode continuar existindo na organização para a condução das atividades burocráticas.
Processos projetados corretamente trazem embutidas as necessidades e perspectivas dos clientes. Assim as ações devem produzir resultados que satisfaçam as exigências dos clientes, oferecendo mais valor, de forma mais rápida e com menor custo. O projeto acabado de um processo deve contemplar os "requisitos de conformidade" estabelecidos pelos "clientes" e a padronização dos serviços de responsabilidade dos "fornecedores". A participação de todos, clientes e fornecedores, se faz necessária desde a elaboração inicial de um processo e deve ser efetiva e garantida durante toda a sua existência. Um processo deve estar em constante aperfeiçoamento. As revisões periódicas dos procedimentos internos deverão sempre contar com a participação de todos os envolvidos nas atividades ali desenvolvidas: "os clientes e os fornecedores".
Relação Cliente/ Fornecedor
Um processo desenvolve atividades geradoras de bens e serviços e, portanto, pressupõe a existência de clientes para consumi-los. Contudo, o cliente não precisa necessariamente estar fora da empresa. Ele pode estar dentro dela e fazer parte de uma cadeia produtiva com objetivos definidos. Assim, se elegermos o plantio da cana como um processo, dentre aqueles que darão origem à formação do canavial, as operações realizadas durante o preparo do solo serão caracterizadas como "fornecedoras" desse processo. Por outro lado, as operações desenvolvidas dentro do processo, como a sulcação serão caracterizadas como "clientes". No encadeamento dos processos, "operações clientes" poderão tornar-se "operações fornecedoras" de outros processos.
Figura 2- Representação gráfica das relações em um processo, com entradas e saídas, e relações entre clientes e fornecedores, organizadas na Pesquisa de Satisfação do Cliente.
A organização dessas interdependências dentro dos processos dará origem às relações entre clientes e fornecedores. Essas relações podem ser estruturadas através de mecanismos para a avaliação da satisfação do cliente e se constitui em uma ferramenta para organizar as relações de produção dentro dos processos. Dessa forma, é possível se estabelecer uma forma de auto-fiscalização para os indivíduos envolvidos com as atividades realizadas dentro dos processos. A fiscalização é ampliada sem a introdução da figura do fiscal. Os "requisitos de conformidade" definidos pelos clientes, estabelecendo as especificações para o produto ou serviço de que necessitam para a realização de suas atividades, serão a base para criação das normas de procedimentos (por parte dos fornecedores) para a elaboração dos produtos e serviços que irão atender aqueles determinados clientes. A valorização do nível de satisfação das relações entre clientes e fornecedores pode ser estabelecida através de uma pesquisa de satisfação do cliente, de tal forma que possa dar ao fornecedor uma dimensão da qualidade de seu desempenho.
As avaliações devem ser feitas com periodicidade definida, segundo a perspectiva do cliente (Pesquisa da Satisfação do Cliente) e discutidas em reuniões conjuntas com a participação de todos os clientes e fornecedores do processo. Esse procedimento promove a integração dos participantes, permitindo que pontos discordantes sejam ajustados em grupo com a supervisão do coordenador do processo. Esse instrumento (Pesquisa da Satisfação do Cliente) é muito valioso e eficiente para a organização das relações dentro dos processos produtivos porque permite que os indivíduos se vejam desempenhando o seu trabalho. Uma pesquisa realizada entre as 1000 melhores empresas do Brasil (5) sobre a utilização de novas práticas administrativas mostra que essa ferramenta fora utilizada com sucesso em 56% da empresas pesquisadas.
Modelos ideais são utopia e, portanto, devemos buscar aproximações que ofereçam alguma garantia de sucesso quando aplicados na gestão de um empreendimento. Os conceitos e procedimentos aqui descritos são recentes e não se constituem apenas numa proposta para um modelo de gestão, uma vez que se encontram em implantação em uma empresa do setor com resultados promissores.
Publicado no JornalCana - edição de novembro de 1998 - pg. 30
Bibliografia Consultada
1. Davenport, Thomas H. Reengenharia de processos. Editora Campus 1994.
2. Senge, Peter M. A Quinta disciplina. Editora Best Seller 1990.
3. Whiteley, Richard C. A Empresa totalmente voltada para o cliente. Editora Campus 1996.
4. Muniz de Castro, Durval Gestão para o conhecimento. Revista CQ-Qualidade junho 1996 pgs. 60/64.
5. Vanca, Paulo. "Evolução e impactos da reengenharia entre a 1000 melhores empresas do Brasil. In: Seminário Nacional de Reengenharia. Salvador. Maio, 1994. , pag 24/25 1994.
6. Borges Lopes, Marcelo e outros. "Qualidade em operações mecanizadas na cultura da cana-de-açúcar". Revista STAB jan-fev., 1995, vol 13, no. 3, pags. 26/30.
7. Hammer, M. e Champy, J. Reengenharia revolucionando a empresa. Editora Campus 1994.